Presente Sagrado - por: Vinícius Cavassini Fries


Presente Sagrado - por: Vinícius Cavassini Fries

Fui ao centro psiquiátrico para pedir desculpas ao meu pai, iria vê-lo novamente depois de um ano. Ao chegar lá pedi para falar com ele. Uma mulher gentil me atendeu e disse que ele estava com vários problemas, ele havia esquecido de grande parte de sua vida. Ao vê-lo, enchi os olhos de lágrimas e o abracei fortemente. Minhas primeiras palavras foram: “me desculpe”, mas ele não me reconheceu.
Minha mãe morreu quando eu tinha 6 anos, eu e meu pai ficamos sozinhos. Eu tinha tudo o que queria, pois meu pai trabalhava duro para isso e mesmo com tantas coisas, sentia falta mesmo era dele. De manha a noite ele trabalhava e não tinha tempo para nada, reuniões da escola e de família sempre estava sozinho sem ele. Brincadeiras e aventuras eram feitas apenas por mim e com isso me acostumei até meus 16 anos. Depois disso meu pai teve uma grande crise financeira, sua empresa faliu e seu dinheiro foi se tornando cada vez menor. Ainda não sei o motivo real desta grande queda, mas meu pai dizia que foi um contrato mal sucedido. Vendemos nossa grande casa e muitos de nossos pertences. Não tínhamos mais carros nem motos, apenas uma pequena casa e agora tínhamos aquela regra chata de economizar o máximo de gastos possíveis.
Três anos se passaram e tudo estava na mesma. Meu pai estava trabalhando como cozinheiro e eu terminando minha faculdade. Eu estava ansioso, pois a formatura seria logo e queria um grande presente de meu pai.
Os dias passavam e ele não falou o que iria me dar de presente. Eu pensava que seria um celular top de linha ou uma coisa de grande valor .
A formatura chegou. Foi incrível estar lá. Sentia falta de minha mãe, gostaria que ela estivesse junto neste grande dia.
Ao findar a festa,  meu pai disse que o presente estava esperando por mim em casa. Fui tão apressado junto de meu pai e quando chegamos ele me mandou fechar os olhos pois iria buscar o presente.  Ao mandar eu abrir os olhos me decepcionei, pois achei que seria uma coisa de grande valor, mas era apenas uma Bíblia com capa de couro e fecho de zíper. Ela estava toda enfeitada com laços e um cartão com coisas escritas. Nem vi o que estava escrito, fiquei revoltado e triste, então joguei o livro no chão, me levantei da cadeira em que estava sentado e corri porta a fora de cassa sem rumo, chorando, pois não queria uma simples Bíblia. Escutei meu pai vindo atrás de mim gritado “espere, volte aqui”. Não olhei para trás apenas fui bem longe em uma pequena floresta que havia em um bairro próximo.
Fiquei lá muito tempo pensando em tudo aquilo e percebi que fui ignorante e ingrato com meu pai. Fiquei um pouco mais pensando. Já era bem tarde perto de 2 hora da manhã. De volta, no caminho para casa, estava certo de que eu iria me desculpar, no entanto, quando cheguei em minha rua, percebi que a casa estava toda aberta com poucas luzes ligadas.  Entrei e chamei por meu pai, não o encontre. Acreditava que ele estava me procurando ainda e que logo voltaria. Deixei a porta aberta e fui dormir. Ao acordar verifiquei que não havia sinais de meu pai. Comecei a me preocupar e não sabia o que fazer. O procurei novamente por toda a  casa, sem encontra-lo, apenas o seu celular, que estava sobre a cama. Nesse momento entrei em desespero. Ninguém sabia onde ele estava, nem eu, nem nossos vizinhos. Eu me sentia culpado por isso.
Quatro dias se passaram e nada de meu pai.  Já estava desanimado e sem fome, então fui observar a Bíblia que estava no chão. Peguei o cartão que se encontrava grudado nela e li o que segue: “Que este dia seja inesquecível, passei tanto tempo pensando no que comprar para você. Espero que goste, pois foi tão difícil conseguir isto para ti”... parei de ler e pensei ironicamente “como é difícil conseguir uma Bíblia, deve valer milhões”. Nem li o resto e logo guardei ela junto a outros livros, mesmo não tendo a desfolhado. Depois disto peguei o celular de meu pai e fui em sites de notícias procurar informações e me deparo com a notícia: “Homem espancado no sábado a tarde, foi internado com ferimentos graves na cabeça. Foi encontrado na cidade Gurupi em Tocantins”... Eu sabia que era ele, mas não sabia em qual hospital ele estava. Fui a procura e um mês depois descobri que ele estava em outro estado, a mais de 1,300 km de distância. Mas como eu iria chegar até lá?
Consegui um bom trabalho graças a minha faculdade e no fim do ano iria em busca de meu pai, na metade do ano eu já havia conseguido um bom dinheiro para gastos de ida e volta. Chegou final de ano e eu já havia comprado passagens de avião e de ônibus. Sabia que ele estava com problemas de lembrar das coisas, então levei fotos de minha mãe e de nossa casa. Até levei a Bíblia que até o momento estava intocável.
Eu também já sabia o hospital em que ele estava. Quando cheguei lá, me disseram que ele estava em um centro psiquiátrico não muito longe. Fui até lá, onde me atenderam e me deixaram vê-lo.  Depois de tanto tempo, me encontrava com os olhos cheios de lágrimas. Eu o abracei e pedi desculpas, mas ele não mostrou nenhuma reação. Então fui mostrando nossas fotos, mas mesmo assim não me reconheceu.
Sobrou apenas o livro, que eu sem esperanças mostrei-lhe. Seu olhar paralisou e logo engoliu um pouco de saliva e disse apenas: “filho”. Me deu um abraço longo e pedindo-me  a Bíblia, retirou os laços  abrindo o zíper que mantinha ela fechada. Do livro caiu uma chave com mais um cartão. A chave era de um carro, logo o que dizia no primeiro cartão fazia sentido. Não acreditei na hora, mas ele iria mesmo me dar um carro de presente. Eu apenas disse obrigado pois não sabia o que dizer.
Depois disso nunca esquecerei o erro que cometi com meu pai.

Aluno:  Vinicius Cavassini Fries

E.B.M. Giuseppe Sette -  Concórdia - SC. 


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